quinta-feira, 5 de março de 2009

Selvagem como o vento




Ideal é ter alguém que a gente admire, respeite, trepe bem e consiga tanto conversar quanto ficar em silêncio... O resto é projeção, transferência de frustrações, trauma de infância, sei lá... Ideal é ser bem comida!! E como são raríssimas as boas comidas, quando você encontra, acaba se apaixonando... e se junto com o sexo vem a cabeça, o coração, a beleza, o respeito. Aí, pronto...

O resto é sofrimento!

A gente se apaixona e começa a criticar tudo o que mais gostava no outro. Maldito medo do abandono...

A gente quer que o outro seja totalmente diferente daquilo que primeiro encantou porque só assim a gente se garante que não vai ser tão hedionda a dor do fim, porque, enfim, nem é mais aquela pessoa interessante por quem a gente se apaixonou... Detesto essa coisa burocrática das relações. Se você é mulher dele, então tem tais e tais funções; ele, por sua vez, tem aquelas e outras; você faz um gesto e espera que o outro retribua; você dá e quer de volta. Parece investimento financeiro... Tudo nessa vida já tem que ser tão calculado, projetado, administrado; tudo é lógico, acadêmico, tudo cartesiano.

Por que o amor não pode ser livre?
revolucionário? Irracional?
Anárquico?
Cada um responsável por si e todos felizes... Por que não pode ser uma eterna comemoração por ter encontrado, no meio de tantas possíveis combinações, tantas possibilidades, tantos corações, ter, enfim, encontrado um par?

***

Porra, mas aonde eu coloco tanta energia? O que eu faço com os meus sonhos? E na hora que eu morrer, quem é que vai me redimir das coisas que eu não fiz? Não,

prefiro pecar por excesso. Prefiro ser barroca.

Prefiro me desiludir um milhão de vezes e ter achado que era feliz outro milhão de vezes, a não sofrer e não sentir nada...

Acho até que tem um certo glamour no sofrimento... A gente fica mais magra, mais misteriosa, mais poeta...

Toda vez que eu tou péssima, as pessoas me dizem, nossa, como você tá bonita... E eu mal, virada de noites insones de saudade e sofrimento. Acho que eu não nasci pra ser feliz...
Mas eu vou mudar! Vou parar de sentir esse amor pequeno burguês, esse amor egoísta por você e vou amar todo mundo! Vou amar o porteiro do meu prédio, o frentista do posto, a mulher que pede esmola na rua, o caixa do supermercado, a manicure, vou amar...

Se eu puder dar um pouquinho do amor que eu sinto por você pra todo mundo que eu encontrar... Nossa!

Vai sobrar amor...

***
Trecho extraído do livro "Selvagem Como o Vento" de Tereza Freire.

Foto de Henri Cartier-Bresson

5 comentários:

  1. Podia ter sido escrito por vc, cada letra!
    Beijos com amor pela alma barroca da minha amiga.

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  2. Maravilhoso Rê!!!"Mandou muito" nesse post!!! Beijos

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  3. A serenidade dos antílopes, a lentidão dos bólides,a calmaria dos furacões e o alívio das catarses são êxtases possíveis de serem alcançados - e raramente os são - somente quando faz-se da alma, mente e corpo , algozes dos pecados por excesso. E, quero sim, continuar como a canção "Todo Errado" , do cancioneiro popular do Caetano: "...já não aguento mais ver o meu coração, como um vermelho balão, rolando e sangrando chutado pelo chão..." Pois sei que alguém há de recolhê-lo, para continuar pecando junto comigo, conosco, convosco...

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  4. Cecilia, já vi uma apresentação desse texto, ele é maravilhoso, sem nenhuma sombra de dúvidas. Gostaria muito de ter esse texto da Tereza freire em minhas mãos. Vc tem ele? Por favor me diga, estou querendo apresentar esse monólogo, que tanto amo. Quando assisti, estava iniciando meu curso de atriz, foi apresentado num festival em jundiaí pela atriz Luiza Amarante, hoje sou formada e gostaria muito de fazê -lo. Grata desde já.

    Beijos
    Kássia Oliveira
    kassiabrasil@bol.com.br

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  5. Que texto poetiza!!! Só tanta sensibilidade poderia postar esta obra prima!Bê

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